A igreja de crentes

Ao estabelecerem uma igreja de cristãos, os anabatistas enfatizaram três aspectos importantes da fé cristã: evangelismo, ensino bíblico e disciplina. Vejamos por que estes aspectos são tão importantes para uma igreja.

Há quase 80 anos, a empresa Ford requereu a publicação de um livro muito interessante cujo título é: The Triumph of an Idea (O triunfo de uma ideia). Dito livro comemorava o quinquagésimo aniversário da empresa fundada por Henry Ford. O livro descreve cuidadosamente a história da companhia começando pela visão de Ford de produzir automóveis de qualidade a baixo custo para a classe média. Graças a seu esforço, persistência e engenho, Ford fez com que a sua empresa se tornasse um gigante da indústria, oferecendo o carro Ford não só em todos os Estados Unidos da América como também em muitos outros países. A visão tomou forma e tornou-se realidade. Contudo, neste artigo não quero focar na visão de um empresário nem nas conquistas empresariais como reflexo de sua visão. Desejo rememorar a história dos grupos de cristãos cuja visão era espiritual e cujos resultados devem nos influenciar até hoje. Refiro-me aos anabatistas do século XVI na Europa.

Como disse antes, os anabatistas tinham uma visão também. Sob a direção do Espírito Santo, eles desenvolveram um ensino bíblico que deu ao movimento as seguintes particularidades: enfoque, direção e poder. Qual foi essa doutrina especial que os levou a se separarem da igreja estatal suíça à qual pertenciam e na qual se apoiaram 4zelosamente? Em geral, considera-se ser a doutrina central a igreja de Jesus Cristo como uma assembleia de verdadeiros cristãos e o batismo cristão se dá apenas àqueles que se arrependeram de seus pecados crendo em Jesus para a sua salvação. Para eles, a conversão está inseparavelmente associada à participação da natureza de Cristo e o enchimento do Espírito Santo, tornando-os cristãos zelosos de boas obras que glorificam a Deus, ou seja, a visão anabatista ressaltava o significado de ser um discípulo de Cristo e a natureza da igreja, a esposa de Cristo.

No princípio, tanto Martinho Lutero quanto Ulrico Zuínglio, acreditavam e ensinavam sobre a necessidade de tal igreja de cristãos. Todavia, estavam bem cientes do poder político e militar dos países católicos que os circundavam. Eles sabiam bem o que tinha acontecido com outro reformador chamado João Huss. Os líderes católicos tinham oferecido a ele proteção e uma “garantia de vida” quando foi chamado a comparecer em Praga para defender seus pontos de vista. Porém, após o terem autorizado a chegar à cidade mencionada, capturaram-no e queimaram-no na fogueira porque ele propunha reformas semelhantes às de Lutero e Zuínglio. Sob a pressão do estado, Lutero e Zuínglio abandonaram sua posição original e decidiram optar pelas igrejas do estado, incluindo o batismo de crianças e a perseguição aos dissidentes. Alguns de seus seguidores, como Conrado Grebel, Felix Manz e Jorge Blaurock, recusaram a obedecer tal transigência. Eles lembraram Zuínglio daquilo que havia ensinado: A Palavra de Deus revela ser a verdadeira igreja o corpo de crentes e um exército não resistente que conquista com armas espirituais as forças das trevas, e a Bíblia deve ter o comando absoluto sobre sua mente e coração. Como não chegaram a um acordo com Zuínglio nessa questão, se separaram dele, iniciando, então, um dos movimentos espirituais mais significativos da história.

Ao estabelecerem uma igreja de cristãos, os anabatistas enfatizaram três aspectos importantes da fé cristã: evangelismo, ensino bíblico e disciplina. Vejamos por que estes aspectos são tão importantes para uma igreja.

1. Evangelismo

Trata-se da primeira obra da igreja e, no tocante a estender as fronteiras do Reino, os anabatistas foram os mais valentes. As igrejas estatais não estavam dispostas a evangelizar quando sua vida estava em perigo por causa de outra igreja estatal. Isso não acontecia com os anabatistas porque, apesar do risco de vida que corriam, eles estavam dispostos a ir a qualquer lugar, mesmo aonde mais ninguém queria ir. Eram impulsados pelo Espírito Santo e pela ordem de Cristo na grande comissão de pregar e reunir todos os sedentos da verdade, os de coração sincero, espalhados por todas as nações. Eles perseveraram nesta obra apesar da mais severa perseguição. Menno Simons foi um evangelista andante que buscava os perdidos para lhes levar a mensagem do 5amor redentor de Cristo. Este era o seu testemunho:

“Este é meu único gozo e desejo do meu coração: poder estender as fronteiras do Reino, dar a conhecer a verdade, reprovar o pecado, ensinar a justiça, alimentar as almas perdidas com a Palavra do Senhor, guiar as ovelhas desgarradas novamente pelo caminho certo e ganhar muitas almas para o Senhor por meio do seu Espírito, poder e graça. Por isso, pregaremos sempre quando tivermos a oportunidade, tanto de dia quanto de noite, nas casas, nos campos, nas fortalezas e desertos, neste país ou no exterior, nas prisões ou cadeias, sob chuva ou fogo, na forca e sobre a roda, diante de senhores ou príncipes, verbalmente ou por escrito, sob o risco de perder as nossas posses ou a própria vida, como o fizemos durante muitos anos sem cessar.”

A fé anabatista se estendeu a muitos lugares da Suíça e continuou ao norte até atingir o sul da Alemanha e o leste, chegando à Áustria. O movimento seguiu crescendo. Os anabatistas holandeses percorreram a maior parte de seu país e penetraram o norte da Alemanha e o sul até a Bélgica. À medida que a oposição aumentava, eles eram capturados, levados a juízo e executados; 350 deles foram massacrados em uma única ocasião na aldeia de Alzey, Alemanha. Com frequência eram expulsos de seus lares e tinham de fugir para salvar a vida.

Este programa de evangelismo foi uma obra grandiosa com a bênção de Deus, mas o preço foi alto. Irmãos foram ridicularizados, perseguidos e encarcerados. Muitos pagaram o preço máximo pela sua devoção a Cristo, preferindo o martírio a negar a fé. Foram afogados, decapitados e queimados na fogueira. Contudo, eles testemunhavam para as multidões que se aproximavam a fim de assistir à execução. Tão grande era o impacto do testemunho desses irmãos que por causa de sua morte muitos se convertiam e, por esta razão, às vezes, os carrascos lhes cortavam a língua para que não pudessem testificar a verdade antes de morrer.

2. Ensino bíblico:

Obviamente, ao nascer de novo, nos tornamos um bebê carente de alimento espiritual para crescer espiritualmente. Os anabatistas, defensores da igreja formada por cristãos, eram estudantes fervorosos da Palavra de Deus e instruíam os novos convertidos de acordo com os ensinos de Jesus. Na prisão, eram visitados com frequência por sacerdotes e teólogos que tentavam persuadi-los a se retratarem. Pelo seu entendimento das Escrituras, esses anabatistas eram rivais formidáveis para seus perseguidores. Quais são alguns dos ensinos enfatizados por eles?

Tornar-se parte do corpo de Cristo por meio da fé no seu sacrifício na cruz como o passo mais importante nesta vida.

Por essa razão, realizavam o batismo somente em cristãos e se recusavam a batizar crianças e adultos que não demonstrassem claras evidências de uma conversão genuína. Tais pessoas deviam exteriorizar frutos de uma vida renovada: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Coríntios 5:17).

O dever de manter a total pureza de vida, livre de imoralidade.

Eles ensinavam que a pureza na vida é dever de todo crente. A vida moral de alguém requer a lavagem pelo sangue de Jesus e o poder do Espírito Santo para mantê-la pura.

Pureza na maneira de falar.

Os anabatistas ensinavam que a maneira de falar deve ser livre de palavras impróprias, palavras vãs, mexericos e falso testemunho.

Uma vida simples.

Eles ensinavam que os cristãos são pessoas piedosas cuja verdadeira cidadania está no céu. Portanto, não vestiam roupas chamativas ou joias, pois são de origem pagã, pelo contrário, usavam roupas simples de maneira que o homem interior fosse capaz de mostrar a paz de Cristo nele, o qual é um ornamento espiritual de grande preço perante os olhos de Deus.

Recusar o uso da força civil e das armas.

Os anabatistas não carregavam espada nem mesmo quando a lei assim exigia. Eles não participavam dos assuntos de Estado, pois esse dependia do uso da força para manter a ordem. Entenderam claramente que há dois reinos, cada um exigindo lealdade.

O compromisso de comparti-lhar seus bens com outros em tempos de necessidade, especialmente com os da família da fé.

“Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel”(1 Timóteo 5:8).

Eles creram que o gozo do Senhor era maior do que qualquer outra coisa.

O gozo do Senhor capaz de sobrepujar qualquer prazer carnal que o mundo possa oferecer e o qual sustenta os crentes mesmo sob as condições mais adversas (Romanos 14:17; 15:13; 2 Coríntios 7:4).

3. Disciplina:

O evangelismo é necessário para conduzir o incrédulo à fé em Cristo. O ensino é vital para caminhar pela fé e em obediência a Deus. A disciplina é necessária para que a igreja continue sendo um corpo de crentes enquanto alguns se desviam da fé.

Os anabatistas viram o propósito da disciplina como algo formado por dois aspectos. Primeiramente, tinha o propósito de restaurar os que tivessem se esfriado na vida cristã. Em segundo lugar, servia para manter pura a igreja e seu testemunho. Caso alguém fraquejasse na fé e prática, a igreja tratava com essa pessoa. Em um primeiro momento, exortavam-na por meio das Escrituras, a fim de que se arrependesse do seu desvio da fé e prática ensinada na Bíblia. Se isso não surtisse resultado, apresentavam o caso à igreja. Se o irmão errado não a escutasse, afastavam-no do companheirismo e da comunhão da igreja como é ensinado em Mateus 18:15-20; 1 Coríntios 2:2-5; Gálatas 6:1.

Os anabatistas acreditavam que as igrejas estatais não exerciam uma disciplina eficaz. Isso era atribuído ao fato de sua própria estrutura não permitir tal coisa. A maioria das pessoas que compunham essas igrejas era pecador, pois cidadãos desonestos, carnais, lascivos, até ladrões e prostitutas eram obrigados a se tornarem membros sem passar pelo arrependimento.

A disciplina era, portanto, essencial para livrar a igreja do pecado existente nela. Porém, isso só é possível quando o evangelismo e o ensino bíblico produzem verdadeiro arrependimento das práticas pecaminosas, substituindo-as com a paz e o gozo espiritual.

Lembremos que o evangelismo, o ensino bíblico e a disciplina são três elementos caracterizadores do movimento anabatista e, da mesma maneira, acontece com a igreja de Cristo hoje.

O conceito bíblico de igreja segue sendo um desafio para nós hoje.

Alguns dirão: “Que valor há em conhecer o que os anabatistas creram a respeito da igreja cristã?” Em primeiro lugar, é notório o desafio que representa o sacrifício requerido para seguir Cristo em sua totalidade. Com o objetivo de difundir o conceito bíblico da igreja de crentes, eles pagaram o preço máximo do discipulado. Foram marginalizados pela sociedade, perseguidos pelas leis feitas contra eles, oprimidos pelas multas injustas que lhes foram impostas; foram torturados e levados à morte. Nós estamos comprometidos a tomar a nossa cruz e sofrer como eles sofreram caso isso exija de nós uma igreja bíblica?

Outra razão para apreciar as bases anabatistas é a seguinte: Eles criam que uma doutrina era de pouco proveito, exceto se expressasse as convicções e a vida prática dos cristãos. Isso significa que eles não só pregavam a doutrina, mas também a viviam. Portanto, nós não podemos dizer que de fato apreciamos a fé anabatista se não estivermos dispostos a obedecer à Palavra de Deus como eles o fizeram. O chamado à disciplina cristã hoje é o mesmo que inspirou o coração daqueles crentes do século XVI. “Tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Judas versículo 3). O assunto relacionado à igreja cristã é tão importante hoje como o era para os primeiros anabatistas que caminhavam pelas ruas de Zurique na Suíça.

~ Retirado de um discurso apresentado na Messiah Bible School, e adaptado por PLM

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Portuguese
Edite
Editora Monte Sião
Sijè

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